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Mães e sociedade: como lidar com a pressão diária pela perfeição
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Publicado em 15/05/2023

Imagem: Bethany Beck via Unplash

 

O mês de maio é considerado o mês das mães. Nesta data, muitas  mães recebem muitos presentes e muito carinho de sua família. Mas a vida diária de uma mãe traz consigo uma série de desafios, desde a descoberta da gravidez, até a vida adulta de seu filho. E com isso surgem muitos questionamentos das mães e em relação a elas. 

Como é o caso da mãe de duas meninas, Larissa Silva, “por várias vezes me questionei se eu estaria sendo uma boa mãe e se ao educar eu não estaria sendo muito rígida, muito chata e por muitas vezes, opiniões negativas, comentários desnecessários me fazem refletir onde eu devo melhorar e onde eu estou falhando como mãe”. 

A mãe de primeira viagem de um menino, Maria Nascimento (Nome Fictício), sofreu com depressão pós-parto e ainda convive com a ansiedade. “Desde de quando eu descobri minha gravidez, veio uma enxurrada de dicas, conselhos e muitas críticas também. Por ser mãe de primeira viagem, logo que meu bebe nasceu, tudo que eu fazia, parecia errado aos olhos de algumas pessoas, que não entendiam meu momento de fragilidade. Eu entendo que muitas pessoas tentam ajudar, mas também há aquelas que não tem sensibilidade e nem noção, soltam comentários e críticas maldosas que fizeram com que eu tivesse ainda mais dificuldade no pós-parto”. 

Aline é mãe de um casal, uma menina de 6 e um menino de 9. Ela conta que durante o período da primeira gravidez e do primeiro pós-parto teve bastante dificuldade em lidar com a questão de adaptação e com as críticas, mas que isso melhorou na segunda gestação. “Na gavidez da minha menina (segunda) eu aprendi filtrar só as coisas que iam me ajudar, comentários construtivos. Porque às vezes a gente precisa entender que as gerações tiveram criações diferentes e o que foi feito lá atrás nem sempre está certo, as coisas mudam, e a gente tem que se aprimorar e entender o que é melhor para nossos filhos”. 

 

Para conversar sobre essa e outras questões relacionadas à maternidade, entrevistamos a psicóloga, Debora Stadler. 

Para iniciar nossa conversa, a Psicóloga Débora, aponta que a sociedade de hoje, cobra uma perfeição de todas as pessoas de uma maneira excessiva e irreal. Segundo ela, essa perfeição é cobrada um pouco mais das mulheres e principalmente das que são mães. 



Repórter -O que a cobrança excessiva pode causar nas mulheres que são mães?  

 

Psicóloga Debora  Stadler - “As mulheres ficaram para além de uma dupla jornada, que muita gente fala que é cuidar da casa, dos filhos e do trabalho. No mundo de agora mais ainda, a mulher tem tripla, quarta jornada, porque ela tem que cuidar da casa, dos filhos, do trabalho, do corpo, ela tem que ter o corpo bonito, e tem que estar politizada, tem que cuidar das suas questões sexuais. 

Então a mulher tem uma gama de demandas e que é impossível para um ser humano dar conta. Não podemos nos esquecer que somos seres humanos. 

Essa grande gama de cobrança da sociedade de uma mãe perfeita, que não erra nunca, que vai criar filhos perfeitos para o mundo, como se essa mãe tivesse essa onipotência, vem deixando muitas mulheres com crises de ansiedade e depressão por causa desse nível de cobrança.  O que precisa fazer é se abster desses comentários e dessas falsas ideologias que o mundo prega para tentar conseguir viver de uma forma mais harmônica.”



Repórter- Como a mãe pode se abster desses comentários e saber que está fazendo um bom trabalho em relação a criação dos filhos? 

 

Psicóloga Débora Stadler: “Viver não tem garantias, muito menos uma mãe tem garantias de que o que ela vem fazendo em relação ao filho, se está sendo um bom trabalho. 

Entre o que uma mãe aposta, o que uma mãe transmite para o filho e  o que um filho encara como verdade, existe um abismo. 

Esse abismo não é controlável por uma mãe, nem por um pai. Então o que uma mãe pode fazer é apostar. É olhar para sua história, para sua relação que teve enquanto filha. É olhar para aquilo que ela entende como bom para ela, na expectativa dela, o que é um bom sujeito e fazer apostas. Mas sem garantias. O que uma mãe pode ir percebendo na criação e no desenvolvimento psíquico, emocional, corporal e social de seu filho, é a partir do que ele vem demonstrando no seu estar no mundo, suas relações e seus enlaçamentos.”



Repórter: Exaustão materna: como auxiliar as mães na maternidade?

 

Psicóloga Débora Stadler: 

“Não há como uma mulher não se sentir exausta. Ela tenta dar conta de algo que é impossível para uma pessoa só. 

Tem um provérbio africano que eu gosto muito que é “é preciso de uma aldeia inteira para criar uma criança”. Esse provérbio faz alusão a uma questão fundamental na vida de uma mulher, que é a rede de apoio. 

Uma mãe precisa saber que sozinha ela não vai dar conta do seu bebe, ela precisa de uma rede de apoio, que é o pai do bebe, a tia, a madrinha, uma das avós, uma cuidadora ou até mesmo uma creche, essa rede de apoio é imprescindível. Até porque essa mulher sai da condição de mulher, e passa para uma condição temporária - porque tem que ser temporária - que é de mãe, em tempo mais absoluto nesse primeiro momento, para depois retomar a sua vida de mulher. Então essa rede é de extrema importância, tanto para um bom desenvolvimento emocional da mãe, quanto do bebe. 

E as mães precisam dar entrada para esses outros, não é dar entrada ao ponto de perder a privacidade e a autonomia, mas dar abertura para essa rede de apoio. Para que esse excesso de cobrança da mãe, não chegue a um adoecimento, como depressão pós parto, os blues, a depressão puerperal, que pode culminar numa depressão bem agravante.”



Repórter - Em relação ao papel da mãe, a psicóloga Debora Stadler observa: 

 

Psicóloga Débora Stadler:  “Há a teoria do psicanalista Donald Winnicott que é muito importante, onde ele fala da mãe suficientemente boa. O que ele quer dizer?! 

Que nem uma mãe vai ser perfeita e que inclusive isso é bom para o bebe. Uma mãe precisa faltar para um bebe começar a aparecer enquanto sujeito.

E uma mãe suficientemente boa é aquela que aposta na criação daquele sujeito, que se faz presente, mas que não deixa de ser acima de tudo um sujeito, com as suas faltas e seus defeitos e isso é o que vai fazer ter um bom desenvolvimento psíquico no bebe. 

Inclusive em um dos seus textos, o psicanalista, Jacques Lacan, aponta que a criança fica perturbada quando a mãe está o tempo todo com ela. O que é que ele quer dizer com isso?! Que é importante que a criança não seja tudo para uma mãe, que haja outros que ela tenha relação, algum outro para quem ela dirige o seu interesse. Pode ser um outro amor, o pai da criança, uma ocupação, um trabalho, alguma outra coisa que a mãe também deseje. 

O fato da mãe sair e voltar, essa presença e ausência. Estar presente e ausente é muito saudável para o bom desenvolvimento psíquico desse sujeito.

Ele só vai se dar conta que a mãe é um sujeito que não é ele, quando a mãe sai de cena. Claro, é presença e ausência, não é presença absoluta e nem ausência absoluta. Dessa maneira Lacan aponta que essa angústia representa a falta de apoio dada pela mãe. A falta é necessária e parece até contraditório, mas não é! Quando a mãe se coloca em falta é que ela vai possibilitar a criança sair dessa angústia da separação. Quando falta essa falta, quando a mãe deixa de faltar, quando ela está ali o tempo todo,  não entra mais ninguém, essa angústia aparece,  é experimentado um sentimento semelhante ao desamparo. Então excesso de mãe é tão perigoso quanto a falta de uma mãe.” 

 

Repórter: Solidão Materna e depressão pós-parto: por que isso pode ocorrer?

 

Psicóloga Debora Stadler: “o estado gestacional da mulher não é qualquer coisa. É uma transformação corporal e que vai sendo uma transformação psíquica desde o resultado que a mulher tem da sua gestação. Ela começa a entender que a partir dali ela vai ser responsável fisicamente para além de emocionalmente, socialmente, pelo nascimento de um ser. Dali ela começa ter um relacionamento com aquele bebe desde o seu saber, sobre esse encontro, sobre essa realização parental da maternidade. 

Nesse caso, a mulher  só é divina no seu corpo, e a mulher passa a ter uma experiência única e solitária que começa ali na gestação, nos seus enjoos, nas suas dores, nos seus medos. Por mais que compartilhados com seu companheiro, com amigos, com familiares, é único. Cada um sabe do seu corpo, ninguém mais sabe o que se passa em seu corpo e em seu psiquismo. Então é uma solidão que começa para algumas mulheres de uma forma mais abrangente já na maternidade. E quando o bebe nasce, diante de tanta proporção de coisas que vão acontecendo ao longo da gestação, a mulher se sente esvaziada e algumas não conseguem lidar bem com isso. 

Então a solidão maternal ela é muito existente, de uma forma psíquica e também de uma forma, uma condição humana, existencial, em que sentido? Há coisas que somente a mulher pode fazer corporalmente, principalmente a amamentação, o parto, o crescimento do bebe na sua barriga, e que ela não consegue compartilhar com outras pessoas. Então essa solidão materna está fortemente atrelada, neste primeiro momento, a essa condição única de ser mãe. E isso continua muitas vezes, depois que a criança nasce, a mulher se sente sozinha em muitas coisas, ainda que tenha esse amparo da rede de apoio, que vai minimizar essa solidão maternal.” 



Repórter: Para finalizar, o que a Senhora destaca em relação a situação maternal?

 

Psicóloga Débora Stadler: “Uma mãe precisa se permitir  e entender que dentro da sua relação de maternidade existe sempre, principalmente nos primeiros tempos, uma ambivalência. Nenhuma mãe quer assumir essa relação, mas toda relação de amor em si, muitas vezes traz junto situações de ódio e de raiva. 

Toda mãe que ama seu filho fica brava ou com raiva e não tem nada de maldade.

Estamos falando de uma perversão de que uma mãe queria aniquilar o seu filho, mas uma mãe precisa tolerar os seus momentos de dificuldade, de raiva, de desejar ser sem filho de novo. Porque um filho dá trabalho e isso não quer dizer que ela não ame seu filho e que ela não o desejou. Mas há momentos sim, que a mãe se sente assim, esgotada, cansada, porque ter um outro sujeito dependendo dela, demandando de si, não é fácil. 

Que uma mãe se perdoe, que entenda que esses momentos podem vir e eles vêm e vão. Que isso não faz dela uma bruxa ou uma péssima mãe. 

E que uma mãe entenda que cada mãe vê a maternidade a seu modo. Algumas gostam mais de cuidar do bebezinho pequeno, outras vislumbram a sua criança maior na escola, algumas adoram acariciar sua barriga. Cada mãe deseja maternidade a seu modo. Cada mãe vê a maternidade de uma forma especial dentro de cada fase, algumas na gestação, outras não gostam da gestação e isso não quer dizer que ela não ame seu bebe. Nenhuma mãe é igual, cada mãe é uma mãe. Não existe a mãe, aquela que é um grande protótipo, seja a mãe que lhe é possível ser!

 

Cuide-se

É preciso salientar a importância de falar sobre a depressão pós-parto. Segundo o Ministério da Saúde cerca de 25%  das brasileiras recém mães, sofrem de depressão pós-parto. Alguns dos fatores que podem levar a condição de depressão pós-parto são: privação do sono, isolamento, alimentação inadequada, sedentarismo, falta de apoio do parceiro e da família. 

Segundo a OMS cerca de 15,5% dos brasileiros convivem com a depressão ao longo da vida. Nos primeiros sintomas desse problema médico, como humor depressivo, cansaço excessivo, insônia ou sonolência, falta ou excesso de apetite, perda do interesse por atividades diárias, entre outros, procure ajuda especializada. 



Nosso agradecimento as mães que participaram e a Psicóloga Débora Stadler.

Reportagem de Ana Flávia Aranna.

 

 

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