Imagem: Janaína Brand Dillmann
A descoberta de um novo fóssil na região central do Rio Grande do Sul traz pistas inéditas sobre a origem de dinossauros e pterossauros: revelam que essas criaturas evoluíram a partir de uma amplitude de formas muito maior do que se pensava. O achado ganhou a capa da edição desta quarta-feira (16) da revista Nature, um dos mais importantes periódicos científicos do mundo.
O artigo é assinado por um grupo de pesquisadores de diferentes países e liderado pelo paleontólogo Rodrigo Temp Müller, do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia (Cappa), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Esta é a primeira vez que um estudo liderado por pesquisadores da UFSM é capa da edição semanal do "braço principal" da revista britânica Nature. O Müller, que encabeça o estudo, comemora. "Sinto muito orgulho de termos conseguido alcançar a capa de um dos maiores periódicos científicos do mundo. Isso mostra que a pesquisa paleontológica que produzimos no Brasil, na UFSM, está em um nível muito elevado", afirma.
A pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa da UFSM, Cristina Wayne Nogueira, também celebra a dimensão e o impacto desse espaço. "Esta publicação é um reconhecimento do trabalho de excelência dos nossos pesquisadores. Ela demonstra que a instituição produz ciência de altíssimo nível e também a consolidação do ecossistema de pós-graduação e pesquisa na UFSM, sua posição de referência em produção de conhecimento de excelência, conferindo visibilidade e reputação institucional em nível internacional."
Paleontólogo Rodrigo Temp Müller mostra os fósseis descobertos no interior do RS / Foto: Janaína Brand Dillmann
Descoberta no município de São João do Polêsine
Dinossauros e pterossauros são alguns dos organismos fósseis mais populares. Eles dominaram a Terra durante a Era Mesozoica por aproximadamente 165 milhões de anos, sendo extintos 66 milhões de anos atrás após o impacto de um enorme asteroide.
A extinção desses animais sempre foi tema de muitos estudos, mas suas origens ainda são pouco compreendidas, devido à escassez de fósseis de seus precursores, que muitas vezes são incompletos, fragmentários e mal preservados. Como resultado, até hoje não se sabia como era o plano corpóreo completo, a biologia e a ecologia desses precursores. Contudo, o fóssil escavado no território do Geoparque Quarta Colônia, na região central do RS, trouxe novas e importantes pistas sobre essas questões.
Descoberta no município gaúcho de São João do Polêsine em 2022 por Rodrigo Temp Müller, a nova espécie recebeu o nome de Venetoraptor gassenae. "Venetoraptor" significa o raptor de Vale Vêneto, em referência a uma localidade turística chamada de "Vale Vêneto" do município. Já o nome "gassenae" faz homenagem a Valserina Maria Bulegon Gassen, uma das principais responsáveis pela criação do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia.
Como era o Venetoraptor
A espécie descoberta media aproximadamente 1 metro de comprimento, pesava entre 4 a 8 quilogramas, e locomovia-se adotando uma postura bípede, tendo as mãos livres para manusear presas ou escalar árvores. O animal carrega uma combinação de características incomuns, como um bico raptorial e mãos proporcionalmente grandes que são munidas de garras longas e afiadas.
O pequeno réptil viveu por volta de 230 milhões de anos atrás e pertence a um grupo extinto chamado de Lagerpetidae. Esses animais são considerados os parentes mais próximos dos pterossauros, os répteis voadores que dividiram a Terra com os dinossauros. Porém, diferente dos pterossauros, o Venetoraptor gassenae e os outros lagerpetídeos não foram animais voadores.
Estudo traz grande contribuição à paleontologia
Venetoraptor gassenae é um dos precursores dos pterossauros mais informativos já descobertos, permitindo, pela primeira vez, um olhar mais detalhado na face desses répteis enigmáticos. O bico raptorial incomum antecede àquele dos dinossauros em aproximadamente 80 milhões de anos. Em aves modernas, bicos semelhantes são atribuídos a diversas funções, como rasgar carne ou o consumo de frutas duras. Associado com as grandes garras em forma de foice, o bico pode ter sido usado para lidar com potenciais presas. Além disso, as garras podem ter ajudado o Venetoraptor gassenae a escalar árvores.
Reconstituição do esqueleto e escala do Venetoraptor gassenae / Foto: Divulgação UFSM
Combinando as novas informações produzidas a partir da descoberta do Venetoraptor gassenae com outras descobertas recentes de precursores de dinossauros e pterossauros, os pesquisadores foram capazes de observar que a variedade de formas desses precursores foi muito maior do que se imaginava. Essa alta diversidade indica que a linhagem que originou os dinossauros e pterossauros passou por um primeiro grande pulso de diversificação antes do estabelecimento dos répteis mais famosos da Era Mesozoica. Desta maneira, o sucesso evolutivo dos dinossauros e pterossauros foi resultado da sobrevivência diferencial em meio a um conjunto mais amplo de variação ecológica e morfológica.
Conforme a pesquisa, a descoberta de um réptil com uma morfologia tão incomum não apenas lança luz sobre mais um componente dos ecossistemas triássicos que testemunharam a origem dos dinossauros e pterossauros. Também demonstra que uma extraordinária diversidade de organismos desconhecidos ainda está escondida nas rochas ao redor do mundo.
Os elementos ósseos do Venetoraptor gassenae estão perfeitamente preservados, representando um dos lagerpetídeos mais bem preservados já encontrados. Os fósseis ficarão em exibição no Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Quarta Colônia/UFSM, no município de São João do Polêsine, o mesmo município em que ele foi descoberto.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Conteúdo Reprodução de Brasil de Fato. Acesse a publicação original <https://www.brasildefato.com.br/2023/08/17/pesquisadores-brasileiros-descobrem-fossil-que-muda-paradigma-da-origem-dos-dinossauros>.